quinta-feira, 18 de março de 2010

DIANTE DO "ESPELHO MÁGICO"

Antes de me olhar ao espelho mágico, a exemplo do que fez a Madrasta, e fazer a pergunta que ficou na estória, experimentei desnudar-me. É isso mesmo... desnudar-me! Eu queria me ver depois deste processo.
Então fui tirando, uma a uma, as máscaras, as capas vestidas ao longo da vida, todas elas ganhas de mão beijada da sociedade em que o destino comum nos insere. Tirei as capas da falsidade, do orgulho, da hipocrisia, da mentira, do amor fingido, da falsa modéstia, da vaidade... Enfim, caminhei na contramão do gosto humano, virei um monstrinho aos olhos dos homens, fiquei desfigurado, sem graça, fora do contexto.
No primeiro momento, senti-me tão sem valor que evitei o Espelho. Achei que eu mesmo não me ia suportar.
Das três formas possíveis de amor, apenas conservei a ágape, justamente a de que menos cuida a humanidade; o gosto pelo dinheiro e todo sentimento materialista varri inteiros de meu ideário e os substituí pela caridade. Achei que fui longe demais: já não parecia um ser humano, um elemento da espécie superior, um entre tantos exemplares da raça inteligente. Assim descaracterizado, tive realmente medo de pôr a cara diante do espelho, esse revelador incorruptível.
Ora, – pensei – se é para me confrontar com uma borra humana, um excluído da sociedade organizada e progressista, o melhor que faço é enfiar-me chão adentro. Mas acontece que esqueci de tirar a capa da curiosidade, esse atributo tão próprio de nós humanos, e quando cuidei estava diante do famigerado espelho, e um espelho grande, capaz de me refletir de corpo inteiro.
E qual não foi minha surpresa ao me achar bonito, de rosto aformoseado, de olhar sereno, altruísta, sem medo, acima de qualquer suspeita. Pensei que tinha virado trevas e me vi luz. Senti-me parte das primícias de Deus. Que coisa! Isso bastou-me, não vi necessidade de fazer aquela secular pergunta: “Espelho, espelho meu...”
Aí, tive a idéia de botar a cara na janela. Era preciso relativizar as aparências, comparar-me aos transeuntes. Fiz isso. As pessoas que desfilavam diante de mim é que me pareciam feias, desconformes, estranhas, egoístas, cheias de medo, suspeitáveis, todas sob capas iguais às de que eu me livrara.
Mas eis que estendi o olhar até o lado oposto da rua e vislumbrei uma figura de mulher, também posta numa janela. Eras tu. Sim, tu mesma. Enxerguei em tua silhueta os mesmos predicados que me revestiam então. Exagerei na observação para que me não escapasse nenhum detalhe ou não me ocorresse nenhum engano. Também te vi primícias. Não me foi possível notar em ti nenhuma daquelas capas. Maravilhei-me e exultei.
Foi aí que fechei a janela após mim, atravessei a rua e vim estar contigo, para sermos dois e darmos ocasião, quem sabe, à geração de um novo modelo de gente.

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