segunda-feira, 22 de novembro de 2010

MUDANÇAS JA!

Eu – e acredito que muitos brasileiros – fico encasquetado com essa performance macroeconômica de nosso país, mergulhado, não obstante seu potencial, neste subdesenvolvimento crônico e absurdo.
Será que a culpada (ou uma das) é a cana? Sim, porque já foi dito por quem estudou a fundo a questão, Celso Furtado, que a causa de nosso subdesenvolvimento está nos cerca de 75 anos de involução que o Brasil viveu quando nem pensávamos ser uma república. E a cana-de-açúcar, posto tenha sido o fator dinâmico encontrado por Portugal para ocupar estas bandas, sob pena de perdê-las para as potências da época (Holanda, França e Inglaterra), da forma como então foi explorada respondeu por aquele retrocesso, com direito, inclusive, de fazer com que deixássemos de ser, formalmente, uma colônia portuguesa, para sermos, na prática, uma colônia inglesa, nos primeiros anos de liberdade.
Expulsamos, no passado remoto, quem sabe, o povo errado e, de lá para cá, temos usado e abusado de nossa capacidade de fazer experiências políticas capengas. Nos últimos anos pós-ditadura, não tem sido diferente. Antes de nos livramos de quem não sabia dirigir Brasília (e por isso, dizem, ressuscitou o fusquinha), convocamos um que não ostentava o tal proeminente topete, mas tinha “aquilo roxo e uma espingarda na mão”, na crença, quem sabe, de que o problema era de falta de macheza. Deu no que deu!
Depois do topetudo, chamamos um intelectual, poliglota, com assento na docência universitária. Seria a vez de educar esse país, pois não se conhece nada melhor que banco de escola para promover um povo. Nosso escolhido nos espalmou a mão (a expressão “Neo Liberal” tava no dorso), em cujos dedos viam-se escritas as políticas redentoras. Contudo, quase nada saiu daquelas mãos sábias, a não ser, façamos justiça, a liderança e manutenção do Real!
Arredios com esse perfil poliglota, catamos um do meio do povão mesmo, que nem o português fala direito e de qualquer universidade tenha sido docente ou sequer discente, mas apenas e tão-somente que fosse decente, pois queríamos ingredientes absolutamente novos na proveta dessa nova experiência política. Mal sentamos o homem na cadeira, quase que a cana, outra vez ela, não mais a ensacada, mas a engarrafada – e noticiada em inglês - colocou seu dedinho sujo naquele penúltimo ensaio nosso. Os aloprados vieram juntos e nos custaram, convenhamos, o preço de alguns hospitais e de muitas escolas. O Brasil não merece isso! Ou merece!
Eis que bateu às nossas portas uma nova chance – as eleições majoritárias de 2010. Não tínhamos o direito de insistir no erro, porque aí nos deslocaríamos “do que é humano” para “o que é burrice”. Devíamos, por exemplo, fazer uma caça às velhas raposas, sobretudo aos traquineiros do Congresso, bigodudos e não bigodudos, sejam da direita, sejam da esquerda ou do centro, porque na realidade não são de nada senão costumeiros da maracutaia, do legislar em causa própria, quase todos de rabinho de palha tão à mercê do fogo amigo quanto do inimigo. Pois, resvala daqui, resvala dali, um desses tiros pode sair pela culatra e atingir quem acionou o gatilho, como se deu com um cacique tucano.
Penso que é hora de trocarmos as pessoas e os partidos, o velho pelo novo, o consagrado pelo inédito. Ainda que essa mudança não venha funcionar, pelo menos será uma tentativa, um jeito novo de pensarmos politicamente, de escolhermos os Partidos não pelo seu tamanho, mas pela sua ideologia, e de elegermos candidatos não pelo seu discurso, pura e simplesmente, mas pelo seu histórico de vida e seu quinhão ético. Afinal, essa função é só nossa, não a podemos delegar a ninguém, e para tanto dispomos do essencial – O VOTO. Mas a oportunidade se foi, manteve-se o status quo, prevaleceu a “burrice”, e os paloccis e os josedirceus da vida estão de volta, para darem-se as mãos aos renancalheiros, fernandoscollor e “honrarem” o Brasil de sempre, embora nosso.

FARINHA DO MESMO SACO

Confesso que minha disposição primeira, até porque para tal me inspira a balbúrdia em que viveu e vive o Senado Federal, era dizer o que penso de certos congressistas, mais especificamente dos que fazem a apologia da má política naquela Casa do Congresso Nacional, todos se lixando para a opinião pública.
Era, mas aí me acudiu o seguinte: Será que temos mesmo autoridade moral, ética e comportamental para censurar o que se passa ali e nas outras esferas do poder? Digo isto porque, fora dos holofotes da Imprensa, escondidos em nosso anonimato, cometemos cá nossos deslizes de ordens diversas e estamos longe, grosso modo, de servir de exemplo pra quem quer que seja.
Desrespeitamos as leis, subornamos o guarda da esquina, avançamos os sinais de trânsito, sonegamos e permitimos que soneguem impostos, borramos os ambientes com nossos cigarros fedidos, sujamos as ruas de nossas cidades, poluímos o ar com nossos sons, quase sempre de mau gosto e às alturas, como se cada um não tivesse o direito de ouvir a música que lhe convém, nos envaidecemos com o “jeitinho brasileiro” e advogamos o “farinha pouca, meu pirão primeiro”. Tomamos o lugar dos idosos nos coletivos urbanos, adoramos levar vantagem em tudo, somos mais pródigos com nossos animais de estimação e menos altruístas com as crianças famintas, às vezes cegas por falta de vitamina A; reelegemos as mesmas figurinhas carimbadas, velhas raposas, não obstante os processos a que respondem ou responderam, isto para citar alguns poucos exemplos. Não é sequer razoável que sejamos, num mesmo cenário, o dedo e o martelo, o peito e a lança, a vítima e o algoz.
Que tipo de Poder, afinal, pode ser exercido em nome de um povo, do qual emanam tantas mazelas, é a pergunta de ordem, se queremos olhar de frente, de modo amplo e com autoridade, a complexa política brasileira. Muitos de nossos representantes que envergonham os homens e mulheres de bem do Brasil, - que ainda e felizmente são a maioria – têm assento na esfera dos três poderes constituídos. Uns, porque se fazem de surdos aos gritos de socorro da sociedade amedrontada pela violência; outros, porque não implementam as políticas públicas que melhorariam nossas vidas, e ainda há aqueles que, do alto de seus palácios suntuosos e debaixo de suas togas, tudo à custa de nosso dinheiro, permitem que morramos antes de nos deferirem as garantias de nossa Constituição, que nos chama equivocadamente de iguais. Mas esses maus gestores da coisa pública, provavelmente, dormiram nos berços esplêndidos de lares corruptos, sentaram no colo de pais desavergonhados e chegaram aonde chegaram pelas mãos sujas ou ignorantes, muitas vezes culturalmente alienadas (como quer o descaso com a Educação) de boa parte dos brasileiros. Ou seja, saíram de nós, são frutos nossos.
Assim, entendo que somos, felizmente com exceção de muitos, farinha do mesmo saco, e sequer podemos culpar a maioria do eleitorado alagoano por ter elegido senador quem tirou os olhos do retrovisor de sua história para mandar engolir, digerir e não sei mais o quê, ao se dirigir ao senador Pedro Simon, digno representante gaúcho, que usava a tribuna numa sessão dos “bombeiros” que tentavam, e conseguiram, salvar do incêndio os fios do bigode de certo cidadão “incomum”. Pena que aquele parlamentar rio-grandense não tenha dito a seu desafeto que não digerimos, mesmo porque nem ainda engolimos, as suas traquinices de Presidente, e que ainda ouvimos o sonido do único e medonho tiro de sua malvada e confiscatória espingarda.
Também aprendemos - vejam só! - com certo senhor barbudo, passageiro do “último pau-de-arara”, a pôr no colo e fazer cafuné, não mais os corruptos de vanguarda, mas os de hoje, como se “companheiros” nossos também fossem. Fingimos que “não sabemos de nada”, de nada mais nos lembramos e fomos às urnas para deliberadamente pô-los de volta ao agora reformado Palácio e às benesses do Legislativo.
Por essas e por outras, não me acho conscientemente à vontade, sem ânimo de atirar a primeira pedra, posto que sinta cócegas e tenha prontos os verbos para tripudiar sobre as sujeiras advindas dos poderes públicos, sequer dos maus congressistas, se olho em derredor e vejo tanto lixo, com seu dedinho sujo apontando para muitos de nós. Cala-te, boca!

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

EU E O LOBO-GUARÁ

Nos meus tempos de matuto, embrenhado nas matas das terras de meu pai, ouvi muitas estórias, narradas aqui e ali pelos poucos visinhos, nas exposições domingueiras que faziam de suas crenças e de suas memórias.
Lembro que me falaram do lobo-guará, descrito pela gente daquele lugar como um animal muito ligeiro e feroz. Diziam que, de tão rápido, quando o imaginávamos em nossa frente ele estava às nossas costas, e quando às nossas costas o supúnhamos, o bicho já nos encarava de frente. Era um deus-nos-acuda, sem chance para aquele que lhe caísse às garras! Na ocupação do espaço em torno de sua vítima, era um macaco; na ferocidade, um tigre. Ficou assim o pobre animal em minha memória: Um bicho extremamente perigoso, impossível de se dominar. No caminho precário e longo, meio de ligação entre a roça e a zona urbana, pelo qual também os animais de meu pai transportavam a produção de rapadura, havia até uma curva chamada volta-do-guará.
Creio que aos dez anos de idade, um pouco mais, um pouco menos, sei lá, recebi de meu pai a ordem de viajar da cidade, onde também tínhamos morada, até o sítio, distantes coisa de vinte e cinco quilômetros pelo caminho mais curto. Não era algo que um pai com razoável tino determinasse a um filho daquela idade, mas ordem de meu velho não se discutia; e lá fui eu, escanchado sobre a cangalha de um burro chamado cravo-branco, apelidado assim creio que por causa de sua cor.
Cravo-branco não era bom nem de carga nem de montaria; comigo às costas era ainda pior, pois eu não tinha braços nem chicote para fazê-lo menos lerdo. O caminho ele conhecia e dele não se desviava, fosse dia ou fosse noite, com ou sem chuva – isto ele sabia melhor que eu, pois lhe era mais familiar que a mim, pelas tantas vezes que por ali passara carregando rapadura e nossa feira. Íamos ao ritmo do burro, pé ante pé e, apenas havíamos percorrido coisa de cinco quilômetros, fez-se tardinha, com o sol já posto. A noite se avizinhava e ainda faltavam mais ou menos vinte quilômetros até meu destino.
Foi aí que me lembrei do lobo-guará e da volta-do-guará, por onde teríamos de passar eu e cravo-branco, em plena noite escura. Tremi na base! Lerdo o burro e frouxo eu, vislumbrei-me ração daquele “perigoso” animal. Acuado pela fera, cravo—branco talvez tivesse lá seu momento de esperteza, animado por seu instinto de sobrevivência, e num pinote seguido de uma arrancada disparasse caminho fora, pouco se lixando com a sorte de quem lhe ia ao lombo. Lá se iria meu meio de transporte, que sabia de cor e salteado o caminho, e ficaria eu, com meus poucos quilos de carne, mas suficientes para matar a fone de qualquer lobo. Essa antevisão da desgraça me fez decidir pela volta à origem da viagem, sem mesmo cogitar da leitura que faria meu pai daquele meu ato. Voltei.
Contei pra minha mãe e pra minha irmã os motivos do aborto que fiz da viagem. Para mãe e irmã é sempre mais fácil explicar nossas atitudes. Os arreios do animal com a ajuda delas os tirei, e amarrei cravo-branco num terreno de mato rasteiro que existia à frente de nossa casa. Agora era esperar meu pai “chegar da rua”, como se dizia naquele tempo, talvez da casa de algum amigo, aonde teria ido se distrair da lida semanal e dura no campo. A expectativa era sombria, em nada cômoda naquelas circunstâncias, naquele contexto em que, em minha avaliação, escapara do lobo-guará, estava ali, vivo e são, mas talvez não escapasse à ira de quem, pelo tempo decorrido, possivelmente já me supunha chegado ao destino por ele determinado. Meu velho naturalmente sabia da inexistência por aquelas bandas daquele espécime selvagem, e de que o tal, mesmo na hipótese de existir, não representaria perigo a não ser para as galinhas ao seu alcance. Não sabia ele, entretanto, nem dessas coisas de relação pai versos filho cuidava, de que em meu imaginário, rico das lendas que ouvira, havia sim um lobo-guará e uma curva-do-guará, e mais a real possibilidade de um encontro absolutamente desigual entre mim e a fera, entre o menino e o lobo, entre o fraco e alquebrado e o lépido e voraz, motivos de minha desobediência.
Chegado da rua e posto os olhos sobre os arreios, sua insatisfação ficou de imediato evidente e, como sempre sem considerar meus motivos, ameaçou bater-me, não o tendo feito porque me socorreu minha irmã, que tocou sua consciência, chamando-o a refletir sobre a viagem à hora avançada e sobre minha idade.
Enfim, escapei! Escapei, mas não de todo, e me foi imposto como castigo alternativo passar a noite pastoreando cravo-branco, num lugar onde a oferta de capim não lhe permitisse ficar sem a ração mínima. E lá fomos nós, (pai, filho e muar) para um local às margens da linha de ferro, caminho do trem – eu, para vigiar cravo-branco; meu pai, para me vigiar. Ainda bem que a noite era enluarada e tépida.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

CONFISSÃO

“Tem bom ânimo! Entrega-te à reflexão e busca um caminho alternativo!”
Foi apenas o que mal pude falar para aquele moço que me confessou estar espiritualmente perdido, sumariamente à deriva da salvação.
E me explicou por quê: Não consegue desonerar-se de seus pecados pela via das rezas, das ladainhas, dos terços monitorados pelas bolinhas do rosário, pois viu nas Escrituras uma recomendação contra o hábito repetitivo da fala com o Pai. De si mesmo sente que essa não é uma prática redentora, um caminho afinado com a grandeza e onipotência do Criador. Nada a ver! Também porque, e ainda pela meditação que fez nas sagradas letras, não consegue entender Maria como mediadora, posto que santa, reverenciada, na contra-mão do evangelho, como substituta, para fins peticionais, do Filho, ali declarado como único mediador. Nem, tão pouco, consegue aceitar os santos eleitos, a peso de ouro, pelo Vaticano como necessários coadjuvantes à realização de milagres, por entender que Deus pode todas as coisas e por ter lido no Pentateuco que até suas respectivas imagens são contravenção bíblica. Sente-se, portanto, excomungado pela teologia católico-romana.
Por outro lado, não tinha a capacidade de fechar os olhos e discorrer de improviso e em público, e de forma absolutamente pessoal, sobre as coisas que gostaria de colocar para o Senhor dos Exércitos. Também viu no Livro dos livros que esse confessar ou meditar, esse pedir ou agradecer deveria ser feito em seu quarto de dormir, e de portas fechadas. A corrida pela prosperidade, carro-chefe de certas denominações pseudo-evangélicas, alicerçada nas Seções de Descarrego e nas “amarrações do inimigo”, ditas e feitas sob uma perspectiva em nada semelhante ao “vinde a mim todos vós, que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei”, mas pomposa e reiteradamente televisadas, igualmente não lhe eram sequer razoáveis. Então a teologia evangélico-protestante, embora, vieses à parte, muito mais ajustada à Bíblia, que lhe serve de regra de fé e prática, também o alija das práticas redentoras, cria-lhe um “espinho na carne”, nega-lhe a comunhão com os eleitos.
Das outras formas de religiosidade nem me quis falar muito, o desolado moço, porque nem as aceitava como religião, e apenas comentou que a Reencarnação, máxima deste que é reconhecido por muitos como ciência, o Espiritismo, sugere um confronto, um bater de frente com a afirmação apostólica que diz “está determinado ao homem morrer uma vez só”. Por tudo isso, confessou-me, estava sem rumo e sem luz, sem nenhuma perspectiva de habitar numa das muitas moradas construídas nos ceus, fora da fila para registrar seu nome no Livro da Vida, condenado a jamais caminhar em ruas de ouro, etc. Sua vida não tinha sentido e não tinha esperança, seu espírito definhava, destituía-se como janela de comunicação com Deus, que lhe negava a fé, e sua alma, instrumento de contato com o mundo em sua volta, obscurecia-se, amesquinhava-se, fazia dele um excluído da graça, um transeunte dos caminhos largos, um surdo às batidas na porta, uma mesa sem ceia, um homem sem comunhão com quem foi à cruz para resgatá-lo e fazê-lo novidade de vida.
Depois de me dizer todas estas coisas, e de me ouvir aquilo que lhe deve ter soado como uma bobagem, tirou de mim os olhos sem brilho e saiu, cabisbaixo, casmurro, chutando latas...

UMA MULHER OLHANDO DA JANELA

Chegue-se ao peitoril e veja esse Sol lindo!
Perceba seu brilho, sua luz que me energiza,
me faz mais Mulher e se compatibiliza
com todos os anelos que venho construindo.

Ponha-se mais próximo. Fique aqui, bem perto.
Quero que compartilhe desse meu momento,
que contemple daqui e comigo o Firmamento,
que comece o dia como eu - de sorriso aberto.

Todas as manhãs, com singular disciplina,
volto e busco esse Horizonte, que me fascina,
para não perder este show da Natureza.

Você, querido amigo, é meu convidado;
Aposse-se deste Sol, comigo ao seu lado;
desfrute, comigo, de toda essa beleza.

UM AMOR ESTRANHO

“Amo este pássaro” – confessou aquele moço,
Que o sustinha numa gaiola nova, bonita,
Na qual a ave pula, bate as asas, se agita,
E se percebe com um laço no pescoço.

Porém canta, e seu canto mascara o alvoroço,
Sua batalha inglória, vã, sua expectativa
De retornar, urgente, à flora nativa,
Ao seu habitat posto além “daquele troço”.

Mas seu amo já não vive sem o canto altivo,
Sem a trilha sonora desse ser cativo;
Seu imaginário voa nos silvos de sua presa.

E lhe dá alpiste, água, lhe dá carinho,
Conquanto que engaiolado e seu, sem ceu, sem ninho...
O moço “ama” a ave, mas castra-lhe a natureza.