segunda-feira, 22 de novembro de 2010

MUDANÇAS JA!

Eu – e acredito que muitos brasileiros – fico encasquetado com essa performance macroeconômica de nosso país, mergulhado, não obstante seu potencial, neste subdesenvolvimento crônico e absurdo.
Será que a culpada (ou uma das) é a cana? Sim, porque já foi dito por quem estudou a fundo a questão, Celso Furtado, que a causa de nosso subdesenvolvimento está nos cerca de 75 anos de involução que o Brasil viveu quando nem pensávamos ser uma república. E a cana-de-açúcar, posto tenha sido o fator dinâmico encontrado por Portugal para ocupar estas bandas, sob pena de perdê-las para as potências da época (Holanda, França e Inglaterra), da forma como então foi explorada respondeu por aquele retrocesso, com direito, inclusive, de fazer com que deixássemos de ser, formalmente, uma colônia portuguesa, para sermos, na prática, uma colônia inglesa, nos primeiros anos de liberdade.
Expulsamos, no passado remoto, quem sabe, o povo errado e, de lá para cá, temos usado e abusado de nossa capacidade de fazer experiências políticas capengas. Nos últimos anos pós-ditadura, não tem sido diferente. Antes de nos livramos de quem não sabia dirigir Brasília (e por isso, dizem, ressuscitou o fusquinha), convocamos um que não ostentava o tal proeminente topete, mas tinha “aquilo roxo e uma espingarda na mão”, na crença, quem sabe, de que o problema era de falta de macheza. Deu no que deu!
Depois do topetudo, chamamos um intelectual, poliglota, com assento na docência universitária. Seria a vez de educar esse país, pois não se conhece nada melhor que banco de escola para promover um povo. Nosso escolhido nos espalmou a mão (a expressão “Neo Liberal” tava no dorso), em cujos dedos viam-se escritas as políticas redentoras. Contudo, quase nada saiu daquelas mãos sábias, a não ser, façamos justiça, a liderança e manutenção do Real!
Arredios com esse perfil poliglota, catamos um do meio do povão mesmo, que nem o português fala direito e de qualquer universidade tenha sido docente ou sequer discente, mas apenas e tão-somente que fosse decente, pois queríamos ingredientes absolutamente novos na proveta dessa nova experiência política. Mal sentamos o homem na cadeira, quase que a cana, outra vez ela, não mais a ensacada, mas a engarrafada – e noticiada em inglês - colocou seu dedinho sujo naquele penúltimo ensaio nosso. Os aloprados vieram juntos e nos custaram, convenhamos, o preço de alguns hospitais e de muitas escolas. O Brasil não merece isso! Ou merece!
Eis que bateu às nossas portas uma nova chance – as eleições majoritárias de 2010. Não tínhamos o direito de insistir no erro, porque aí nos deslocaríamos “do que é humano” para “o que é burrice”. Devíamos, por exemplo, fazer uma caça às velhas raposas, sobretudo aos traquineiros do Congresso, bigodudos e não bigodudos, sejam da direita, sejam da esquerda ou do centro, porque na realidade não são de nada senão costumeiros da maracutaia, do legislar em causa própria, quase todos de rabinho de palha tão à mercê do fogo amigo quanto do inimigo. Pois, resvala daqui, resvala dali, um desses tiros pode sair pela culatra e atingir quem acionou o gatilho, como se deu com um cacique tucano.
Penso que é hora de trocarmos as pessoas e os partidos, o velho pelo novo, o consagrado pelo inédito. Ainda que essa mudança não venha funcionar, pelo menos será uma tentativa, um jeito novo de pensarmos politicamente, de escolhermos os Partidos não pelo seu tamanho, mas pela sua ideologia, e de elegermos candidatos não pelo seu discurso, pura e simplesmente, mas pelo seu histórico de vida e seu quinhão ético. Afinal, essa função é só nossa, não a podemos delegar a ninguém, e para tanto dispomos do essencial – O VOTO. Mas a oportunidade se foi, manteve-se o status quo, prevaleceu a “burrice”, e os paloccis e os josedirceus da vida estão de volta, para darem-se as mãos aos renancalheiros, fernandoscollor e “honrarem” o Brasil de sempre, embora nosso.

FARINHA DO MESMO SACO

Confesso que minha disposição primeira, até porque para tal me inspira a balbúrdia em que viveu e vive o Senado Federal, era dizer o que penso de certos congressistas, mais especificamente dos que fazem a apologia da má política naquela Casa do Congresso Nacional, todos se lixando para a opinião pública.
Era, mas aí me acudiu o seguinte: Será que temos mesmo autoridade moral, ética e comportamental para censurar o que se passa ali e nas outras esferas do poder? Digo isto porque, fora dos holofotes da Imprensa, escondidos em nosso anonimato, cometemos cá nossos deslizes de ordens diversas e estamos longe, grosso modo, de servir de exemplo pra quem quer que seja.
Desrespeitamos as leis, subornamos o guarda da esquina, avançamos os sinais de trânsito, sonegamos e permitimos que soneguem impostos, borramos os ambientes com nossos cigarros fedidos, sujamos as ruas de nossas cidades, poluímos o ar com nossos sons, quase sempre de mau gosto e às alturas, como se cada um não tivesse o direito de ouvir a música que lhe convém, nos envaidecemos com o “jeitinho brasileiro” e advogamos o “farinha pouca, meu pirão primeiro”. Tomamos o lugar dos idosos nos coletivos urbanos, adoramos levar vantagem em tudo, somos mais pródigos com nossos animais de estimação e menos altruístas com as crianças famintas, às vezes cegas por falta de vitamina A; reelegemos as mesmas figurinhas carimbadas, velhas raposas, não obstante os processos a que respondem ou responderam, isto para citar alguns poucos exemplos. Não é sequer razoável que sejamos, num mesmo cenário, o dedo e o martelo, o peito e a lança, a vítima e o algoz.
Que tipo de Poder, afinal, pode ser exercido em nome de um povo, do qual emanam tantas mazelas, é a pergunta de ordem, se queremos olhar de frente, de modo amplo e com autoridade, a complexa política brasileira. Muitos de nossos representantes que envergonham os homens e mulheres de bem do Brasil, - que ainda e felizmente são a maioria – têm assento na esfera dos três poderes constituídos. Uns, porque se fazem de surdos aos gritos de socorro da sociedade amedrontada pela violência; outros, porque não implementam as políticas públicas que melhorariam nossas vidas, e ainda há aqueles que, do alto de seus palácios suntuosos e debaixo de suas togas, tudo à custa de nosso dinheiro, permitem que morramos antes de nos deferirem as garantias de nossa Constituição, que nos chama equivocadamente de iguais. Mas esses maus gestores da coisa pública, provavelmente, dormiram nos berços esplêndidos de lares corruptos, sentaram no colo de pais desavergonhados e chegaram aonde chegaram pelas mãos sujas ou ignorantes, muitas vezes culturalmente alienadas (como quer o descaso com a Educação) de boa parte dos brasileiros. Ou seja, saíram de nós, são frutos nossos.
Assim, entendo que somos, felizmente com exceção de muitos, farinha do mesmo saco, e sequer podemos culpar a maioria do eleitorado alagoano por ter elegido senador quem tirou os olhos do retrovisor de sua história para mandar engolir, digerir e não sei mais o quê, ao se dirigir ao senador Pedro Simon, digno representante gaúcho, que usava a tribuna numa sessão dos “bombeiros” que tentavam, e conseguiram, salvar do incêndio os fios do bigode de certo cidadão “incomum”. Pena que aquele parlamentar rio-grandense não tenha dito a seu desafeto que não digerimos, mesmo porque nem ainda engolimos, as suas traquinices de Presidente, e que ainda ouvimos o sonido do único e medonho tiro de sua malvada e confiscatória espingarda.
Também aprendemos - vejam só! - com certo senhor barbudo, passageiro do “último pau-de-arara”, a pôr no colo e fazer cafuné, não mais os corruptos de vanguarda, mas os de hoje, como se “companheiros” nossos também fossem. Fingimos que “não sabemos de nada”, de nada mais nos lembramos e fomos às urnas para deliberadamente pô-los de volta ao agora reformado Palácio e às benesses do Legislativo.
Por essas e por outras, não me acho conscientemente à vontade, sem ânimo de atirar a primeira pedra, posto que sinta cócegas e tenha prontos os verbos para tripudiar sobre as sujeiras advindas dos poderes públicos, sequer dos maus congressistas, se olho em derredor e vejo tanto lixo, com seu dedinho sujo apontando para muitos de nós. Cala-te, boca!

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

EU E O LOBO-GUARÁ

Nos meus tempos de matuto, embrenhado nas matas das terras de meu pai, ouvi muitas estórias, narradas aqui e ali pelos poucos visinhos, nas exposições domingueiras que faziam de suas crenças e de suas memórias.
Lembro que me falaram do lobo-guará, descrito pela gente daquele lugar como um animal muito ligeiro e feroz. Diziam que, de tão rápido, quando o imaginávamos em nossa frente ele estava às nossas costas, e quando às nossas costas o supúnhamos, o bicho já nos encarava de frente. Era um deus-nos-acuda, sem chance para aquele que lhe caísse às garras! Na ocupação do espaço em torno de sua vítima, era um macaco; na ferocidade, um tigre. Ficou assim o pobre animal em minha memória: Um bicho extremamente perigoso, impossível de se dominar. No caminho precário e longo, meio de ligação entre a roça e a zona urbana, pelo qual também os animais de meu pai transportavam a produção de rapadura, havia até uma curva chamada volta-do-guará.
Creio que aos dez anos de idade, um pouco mais, um pouco menos, sei lá, recebi de meu pai a ordem de viajar da cidade, onde também tínhamos morada, até o sítio, distantes coisa de vinte e cinco quilômetros pelo caminho mais curto. Não era algo que um pai com razoável tino determinasse a um filho daquela idade, mas ordem de meu velho não se discutia; e lá fui eu, escanchado sobre a cangalha de um burro chamado cravo-branco, apelidado assim creio que por causa de sua cor.
Cravo-branco não era bom nem de carga nem de montaria; comigo às costas era ainda pior, pois eu não tinha braços nem chicote para fazê-lo menos lerdo. O caminho ele conhecia e dele não se desviava, fosse dia ou fosse noite, com ou sem chuva – isto ele sabia melhor que eu, pois lhe era mais familiar que a mim, pelas tantas vezes que por ali passara carregando rapadura e nossa feira. Íamos ao ritmo do burro, pé ante pé e, apenas havíamos percorrido coisa de cinco quilômetros, fez-se tardinha, com o sol já posto. A noite se avizinhava e ainda faltavam mais ou menos vinte quilômetros até meu destino.
Foi aí que me lembrei do lobo-guará e da volta-do-guará, por onde teríamos de passar eu e cravo-branco, em plena noite escura. Tremi na base! Lerdo o burro e frouxo eu, vislumbrei-me ração daquele “perigoso” animal. Acuado pela fera, cravo—branco talvez tivesse lá seu momento de esperteza, animado por seu instinto de sobrevivência, e num pinote seguido de uma arrancada disparasse caminho fora, pouco se lixando com a sorte de quem lhe ia ao lombo. Lá se iria meu meio de transporte, que sabia de cor e salteado o caminho, e ficaria eu, com meus poucos quilos de carne, mas suficientes para matar a fone de qualquer lobo. Essa antevisão da desgraça me fez decidir pela volta à origem da viagem, sem mesmo cogitar da leitura que faria meu pai daquele meu ato. Voltei.
Contei pra minha mãe e pra minha irmã os motivos do aborto que fiz da viagem. Para mãe e irmã é sempre mais fácil explicar nossas atitudes. Os arreios do animal com a ajuda delas os tirei, e amarrei cravo-branco num terreno de mato rasteiro que existia à frente de nossa casa. Agora era esperar meu pai “chegar da rua”, como se dizia naquele tempo, talvez da casa de algum amigo, aonde teria ido se distrair da lida semanal e dura no campo. A expectativa era sombria, em nada cômoda naquelas circunstâncias, naquele contexto em que, em minha avaliação, escapara do lobo-guará, estava ali, vivo e são, mas talvez não escapasse à ira de quem, pelo tempo decorrido, possivelmente já me supunha chegado ao destino por ele determinado. Meu velho naturalmente sabia da inexistência por aquelas bandas daquele espécime selvagem, e de que o tal, mesmo na hipótese de existir, não representaria perigo a não ser para as galinhas ao seu alcance. Não sabia ele, entretanto, nem dessas coisas de relação pai versos filho cuidava, de que em meu imaginário, rico das lendas que ouvira, havia sim um lobo-guará e uma curva-do-guará, e mais a real possibilidade de um encontro absolutamente desigual entre mim e a fera, entre o menino e o lobo, entre o fraco e alquebrado e o lépido e voraz, motivos de minha desobediência.
Chegado da rua e posto os olhos sobre os arreios, sua insatisfação ficou de imediato evidente e, como sempre sem considerar meus motivos, ameaçou bater-me, não o tendo feito porque me socorreu minha irmã, que tocou sua consciência, chamando-o a refletir sobre a viagem à hora avançada e sobre minha idade.
Enfim, escapei! Escapei, mas não de todo, e me foi imposto como castigo alternativo passar a noite pastoreando cravo-branco, num lugar onde a oferta de capim não lhe permitisse ficar sem a ração mínima. E lá fomos nós, (pai, filho e muar) para um local às margens da linha de ferro, caminho do trem – eu, para vigiar cravo-branco; meu pai, para me vigiar. Ainda bem que a noite era enluarada e tépida.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

CONFISSÃO

“Tem bom ânimo! Entrega-te à reflexão e busca um caminho alternativo!”
Foi apenas o que mal pude falar para aquele moço que me confessou estar espiritualmente perdido, sumariamente à deriva da salvação.
E me explicou por quê: Não consegue desonerar-se de seus pecados pela via das rezas, das ladainhas, dos terços monitorados pelas bolinhas do rosário, pois viu nas Escrituras uma recomendação contra o hábito repetitivo da fala com o Pai. De si mesmo sente que essa não é uma prática redentora, um caminho afinado com a grandeza e onipotência do Criador. Nada a ver! Também porque, e ainda pela meditação que fez nas sagradas letras, não consegue entender Maria como mediadora, posto que santa, reverenciada, na contra-mão do evangelho, como substituta, para fins peticionais, do Filho, ali declarado como único mediador. Nem, tão pouco, consegue aceitar os santos eleitos, a peso de ouro, pelo Vaticano como necessários coadjuvantes à realização de milagres, por entender que Deus pode todas as coisas e por ter lido no Pentateuco que até suas respectivas imagens são contravenção bíblica. Sente-se, portanto, excomungado pela teologia católico-romana.
Por outro lado, não tinha a capacidade de fechar os olhos e discorrer de improviso e em público, e de forma absolutamente pessoal, sobre as coisas que gostaria de colocar para o Senhor dos Exércitos. Também viu no Livro dos livros que esse confessar ou meditar, esse pedir ou agradecer deveria ser feito em seu quarto de dormir, e de portas fechadas. A corrida pela prosperidade, carro-chefe de certas denominações pseudo-evangélicas, alicerçada nas Seções de Descarrego e nas “amarrações do inimigo”, ditas e feitas sob uma perspectiva em nada semelhante ao “vinde a mim todos vós, que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei”, mas pomposa e reiteradamente televisadas, igualmente não lhe eram sequer razoáveis. Então a teologia evangélico-protestante, embora, vieses à parte, muito mais ajustada à Bíblia, que lhe serve de regra de fé e prática, também o alija das práticas redentoras, cria-lhe um “espinho na carne”, nega-lhe a comunhão com os eleitos.
Das outras formas de religiosidade nem me quis falar muito, o desolado moço, porque nem as aceitava como religião, e apenas comentou que a Reencarnação, máxima deste que é reconhecido por muitos como ciência, o Espiritismo, sugere um confronto, um bater de frente com a afirmação apostólica que diz “está determinado ao homem morrer uma vez só”. Por tudo isso, confessou-me, estava sem rumo e sem luz, sem nenhuma perspectiva de habitar numa das muitas moradas construídas nos ceus, fora da fila para registrar seu nome no Livro da Vida, condenado a jamais caminhar em ruas de ouro, etc. Sua vida não tinha sentido e não tinha esperança, seu espírito definhava, destituía-se como janela de comunicação com Deus, que lhe negava a fé, e sua alma, instrumento de contato com o mundo em sua volta, obscurecia-se, amesquinhava-se, fazia dele um excluído da graça, um transeunte dos caminhos largos, um surdo às batidas na porta, uma mesa sem ceia, um homem sem comunhão com quem foi à cruz para resgatá-lo e fazê-lo novidade de vida.
Depois de me dizer todas estas coisas, e de me ouvir aquilo que lhe deve ter soado como uma bobagem, tirou de mim os olhos sem brilho e saiu, cabisbaixo, casmurro, chutando latas...

UMA MULHER OLHANDO DA JANELA

Chegue-se ao peitoril e veja esse Sol lindo!
Perceba seu brilho, sua luz que me energiza,
me faz mais Mulher e se compatibiliza
com todos os anelos que venho construindo.

Ponha-se mais próximo. Fique aqui, bem perto.
Quero que compartilhe desse meu momento,
que contemple daqui e comigo o Firmamento,
que comece o dia como eu - de sorriso aberto.

Todas as manhãs, com singular disciplina,
volto e busco esse Horizonte, que me fascina,
para não perder este show da Natureza.

Você, querido amigo, é meu convidado;
Aposse-se deste Sol, comigo ao seu lado;
desfrute, comigo, de toda essa beleza.

UM AMOR ESTRANHO

“Amo este pássaro” – confessou aquele moço,
Que o sustinha numa gaiola nova, bonita,
Na qual a ave pula, bate as asas, se agita,
E se percebe com um laço no pescoço.

Porém canta, e seu canto mascara o alvoroço,
Sua batalha inglória, vã, sua expectativa
De retornar, urgente, à flora nativa,
Ao seu habitat posto além “daquele troço”.

Mas seu amo já não vive sem o canto altivo,
Sem a trilha sonora desse ser cativo;
Seu imaginário voa nos silvos de sua presa.

E lhe dá alpiste, água, lhe dá carinho,
Conquanto que engaiolado e seu, sem ceu, sem ninho...
O moço “ama” a ave, mas castra-lhe a natureza.

quinta-feira, 18 de março de 2010

FOTO E RETRATO

Artista plástico, eu?! Que ironia!
Não tenho este dom! Falta-me talento!
Mas, num apelo poético, tento
Sê-lo, ao gosto e jeito da fantasia.

Quero e hei de, assim, por essa via,
pintar na tela de meu pensamento
algo que retrate o deslumbramento
que me acudiu ao ver tua Fotografia.

Isto posto, “peguei” os pincéis, as tintas,
idealizei cores as mais distintas
e, de traço em traço, com recato,

atento sempre à correlação,
com esmero pintei no coração,
de corpo inteiro, lindo, o teu Retrato.

BRASIL

Ontem, Brasil colonial,
conquista de Portugal,
que não semeou, só colheu.
Colônia de exploração,
cuja renda em poucas mãos
outra gente enriqueceu.

Nosso açúcar – ao escravo – amargo,
disse Celso, sem embargo,
nem mercado aqui formou.
Sem técnica e liderança,
subsistente, sem poupança,
seu povo não prosperou.

Também seu ouro, minado,
acabou sendo esgotado
sem cá fomentar riqueza.
O sistema dependente
foi apenas e tão-somente
perpetuação de pobreza.

Coube ao café – que fartura! –
produzir a infraestrutura
da diversificação.
É certo que tardiamente,
mas foi, de fato, a semente
para a industrialização.


As perdas socializadas
foram materializadas
na política cambial,
pois a classe produtora
também era detentora
de cobertura estatal.

Bielschowsky, Furtado,
Olímpio Galvão e outros mais
foram buscar nos anais
da história o fundamento
estrutural e analítico,
econômico e político
do subdesenvolvimento.

Hoje, sim, florão da América,
emergente, varonil,
pulmão do mundo, gentil,
berço de tantos valores;
de seus propósitos ciente,
orgulho de brava gente,
vencendo seus dissabores.

Perdão, África aviltada!
Grato, Holanda pioneira!
Deste meu peito sai o grito
que, espero, fira o infinito
e ecoe pela Pátria inteira:

- Viva a Nação brasileira!

ORGULHO E VAIDADE

Saí à procura, insistentemente,
de um amigo fiel, bom, inteligente,
humilde, probo, falto de vaidade.
Então me deixei ir, fiz-me peregrino,
reintegrado à alma de menino,
tomado ao jeito da simplicidade.

Percorri avenidas, ruas, becos, praças,
desci aos recantos das pobres massas,
bati à porta do privilegiado.
Corri em busca da sã juventude,
de minha parte fiz tudo que pude,
mas ainda aí não logrei resultado.

Adentrei os templos dos religiosos,
apelei para os homens mais idosos,
dialoguei com raças as mais diversas.
Igualmente saí convencido, certo
de ter, ainda, pregado no deserto,
porque foram nulas minhas conversas.

Contudo, fui em frente, fui aos intelectuais,
fui ao encontro dos que sabem mais,
e qual não foi também minha surpresa,
pois me fizeram crer que nada sei,
que tudo quanto quero fere a lei
mais comum da humana natureza.

- Meu caro, disseram-me com desdém,
com este perfil não acharás ninguém,
não é possível achar entre os mortais,
qualquer que lhe seja o credo, a raça,
seja no apogeu, seja na desgraça,
numa só pessoa esses traços morais!

Estavam certos os doutos senhores,
não há alma que some ditos valores.
Cada um com a sua especificidade,
dependendo só do momento ou fato,
somos todos iguais no uso e no trato
de nosso orgulho e de nossa vaidade.

Voltei atrás! Desisti da procura
de um amigo com esta estatura
moral, este utópico gabarito!
Nem quando olhei para dentro de mim
logrei achar alguém tão bom assim:
A alma sem dolo e puro de espírito.

DE REPENTE...

De repente,
Posso até me sentir mal,
Pois, de resto, sou igual
A todo mundo,
E de repente, sem querer,
Posso até me entristecer,
Por estar muito doente;
Pôr-me, assim, num canto,
Perder todo o encanto
Pela vida.

Na realidade, a vida é um fragmento
Posto entre a terra e o firmamento.
A morte é um instante, na realidade,
Entre o sofrimento e a saudade.

Posso até sentir nova emoção,
Tirar os pés do chão
E a mente do passado,
Sem futuro e sem legado.
Fora do que pode a medicina,
Talvez seja essa a minha sina,
Minha sorte no porvir.
Mas quero ficar bem
E sentir-me como alguém
Que volta à vida.

Na realidade, a vida vem e passa,
Tal e qual uma nuvem de fumaça.
A morte acontece e deixa luto,
Com seu poder infinito e absoluto.

De repente,
Passo a ser uma quimera
Sem verão nem primavera,
Sem outono nem inverno;
Virar tão-só fotografia,
Pra lembrarem que um dia
Existi, sem ser eterno;
Que amou, que se mexeu,
Que sorriu, que pretendeu
Viver a vida.

Na realidade, a vida é a ocorrência
De um plano sem consistência.
A morte - herança líquida e certa,
Que da vida e do mundo nos liberta.

Posso manter minha existência,
E com e por sua influência
Reconquistar a alegria,
Sorrir como antes eu sorria,
Sentir todos os prazeres,
Dizer em versos meus dizeres;
Mergulhar no mar,
Aquecer-me ao sol,
Contemplar o arrebol,
A luz da Natureza;
Sentir toda essa beleza,
A vida respirar.

Na realidade, a vida é como o vento
Que sopra e passa, num momento.
A morte – sórdida – a vida arrebata,
Sem dizer de que modo e em que data.

De repente,
Por acaso ou por querer,
me pôr mais junto de você,
Ficar pasmo, deslumbrado,
Ainda mais apaixonado...
Fazer o que sempre quis:
Abraçá-la forte e com ternura,
Em dia claro ou noite escura,
Beijá-la, beijá-la... E de novo ser feliz,
De repente...

MISTÉRIOS DO AMOR

Não posso dizer que sou um devorador de livros, ou de revistas, sobretudo os/as de cunho científico, mas tenho lido, sim, algumas obras, de autores diversos, e visto muitos jornais televisivos e impressos, etc. Nunca, porém, tive alguma informação, lida ou ouvida, que explicasse, ainda que superficialmente, sobre as enigmáticas causas que fazem duas pessoas se atraírem em detrimento de outras que com elas interagem. Algo como: Por que João prefere Maria a Ana? Por que Edna escolhe Antônio e não Pedro? Qual, ou quais forças da Natureza, ou sei lá de quem, comandam esses fenômenos amorosos? Ou, se preferem, o que é que um ser humano tem e o outro não para ser aceito por este ou esta e descartado por aquele ou aquela? Seria o jeito de Maria olhar para João, o timbre de sua voz, algum trejeito especial, o modo de andar... E Antônio? O que será que ele tem que a Edna não viu ou não sentiu no Pedro? Essas coisas se dão às vezes sem o ingrediente que chamamos de “beleza”, pelo menos a beleza considerada sob a ótica dos que dela se dizem entendidos - a aparência física. Rosa, feia para a maioria, parece linda aos olhos de Joaquim; Benedito, magricela e careca, é o HOMEM da vida de Severina. E daí? Quem explica isso? E olha que muitas vezes se dá até o caso de “Flávio” causar mazelas na alma de “Carla” e de “Saulo” fazer sofrer a “Monalisa”, e ainda assim eles não se conseguem imaginar um sem o outro. A impressão que tenho é a de que ninguém, nenhum psicólogo, nenhum psicanalista, psiquiatra, ou seja lá que diploma tenha, ninguém pesquisou sobre essa força mágica – não sei se diga esse “laço singular e sobrenatural” – que faz de duas pessoas as preferidas uma da outra. O homem e a mulher comuns, desinteressados todos eles, creio, na questão que aqui levanto, acharam apenas uma expressão para potencializar afetivamente o outro, e isto já virou uma unanimidade: ALMA GÊMEA! Há até os que preferem outra expressão ainda mais popular, parte, mesmo, como aquela, de letra de música da MPB: A OUTRA METADE DA LARANJA. Mas esses são tão somente os modos de um definir o outro em relação a si, nada mais que isso. A minha pergunta continua sendo: Que correntes enigmáticas – desculpem a minha falta de termos para dizer o que quero dizer – transitam entres essas “almas gêmeas ou essas metades de laranja”? Por que João não escolhe Ana, e Edna, Pedro? Poderia até alguém se dar por satisfeito com as colocações que fiz acima: o jeito de olhar, o tom de voz, etc, mas estou convencido de que esses detalhes, sozinhos, não fecham a questão. Explico-me: As tais almas gêmeas e metades de laranja muitas vezes emergem dos ares frios da internet, do navegar pelos lagos sombrios dos chats, antes que um sequer veja o outro cara a cara, olhos nos olhos, portanto ao arrepio das tais correntes enigmáticas. Um clica de cá, o outro clica de lá, mensagem vai, mensagem vem, e pronto, viram duas metades de uma mesma laranja ou duas almas gêmeas. E agora? Explicar como? Aqui pra nós, e até que alguém de extremas sensibilidade e sabedoria mergulhe nesse mar de incertezas e traga à tona, lavada e enxaguada, a equação desse problema, eu diria que esses mistérios do amor são insondáveis, e sobre suas definições e consequências, além das tantas já do domínio popular, valho-me aqui de Moacyr Franco, que disse – poética e musicalmente – tratar-se de um sentimento que é embalado pela respiração, faz ferida na alma, é um jeito antigo de querer, é valsa de Chopin, é um riso aberto pro futuro nos chamando, é poesia, parece sonho, faz nos sentirmos leve, causa calafrio, dói e aperta o coração como a saudade, nos faz rodopiar por aí como um tornado, nos faz esperar até amanhã, etc – e eu diria, por minha conta e risco, que nos faz esperar até sempre!

DIANTE DO "ESPELHO MÁGICO"

Antes de me olhar ao espelho mágico, a exemplo do que fez a Madrasta, e fazer a pergunta que ficou na estória, experimentei desnudar-me. É isso mesmo... desnudar-me! Eu queria me ver depois deste processo.
Então fui tirando, uma a uma, as máscaras, as capas vestidas ao longo da vida, todas elas ganhas de mão beijada da sociedade em que o destino comum nos insere. Tirei as capas da falsidade, do orgulho, da hipocrisia, da mentira, do amor fingido, da falsa modéstia, da vaidade... Enfim, caminhei na contramão do gosto humano, virei um monstrinho aos olhos dos homens, fiquei desfigurado, sem graça, fora do contexto.
No primeiro momento, senti-me tão sem valor que evitei o Espelho. Achei que eu mesmo não me ia suportar.
Das três formas possíveis de amor, apenas conservei a ágape, justamente a de que menos cuida a humanidade; o gosto pelo dinheiro e todo sentimento materialista varri inteiros de meu ideário e os substituí pela caridade. Achei que fui longe demais: já não parecia um ser humano, um elemento da espécie superior, um entre tantos exemplares da raça inteligente. Assim descaracterizado, tive realmente medo de pôr a cara diante do espelho, esse revelador incorruptível.
Ora, – pensei – se é para me confrontar com uma borra humana, um excluído da sociedade organizada e progressista, o melhor que faço é enfiar-me chão adentro. Mas acontece que esqueci de tirar a capa da curiosidade, esse atributo tão próprio de nós humanos, e quando cuidei estava diante do famigerado espelho, e um espelho grande, capaz de me refletir de corpo inteiro.
E qual não foi minha surpresa ao me achar bonito, de rosto aformoseado, de olhar sereno, altruísta, sem medo, acima de qualquer suspeita. Pensei que tinha virado trevas e me vi luz. Senti-me parte das primícias de Deus. Que coisa! Isso bastou-me, não vi necessidade de fazer aquela secular pergunta: “Espelho, espelho meu...”
Aí, tive a idéia de botar a cara na janela. Era preciso relativizar as aparências, comparar-me aos transeuntes. Fiz isso. As pessoas que desfilavam diante de mim é que me pareciam feias, desconformes, estranhas, egoístas, cheias de medo, suspeitáveis, todas sob capas iguais às de que eu me livrara.
Mas eis que estendi o olhar até o lado oposto da rua e vislumbrei uma figura de mulher, também posta numa janela. Eras tu. Sim, tu mesma. Enxerguei em tua silhueta os mesmos predicados que me revestiam então. Exagerei na observação para que me não escapasse nenhum detalhe ou não me ocorresse nenhum engano. Também te vi primícias. Não me foi possível notar em ti nenhuma daquelas capas. Maravilhei-me e exultei.
Foi aí que fechei a janela após mim, atravessei a rua e vim estar contigo, para sermos dois e darmos ocasião, quem sabe, à geração de um novo modelo de gente.

PROCURANDO ESTRELAS

O mundo é assim, as pessoas são assim.... eu sou assim, complicado e difuso, às vezes normal, outras nem tanto. Sumo e reapareço, como os sinais luminosos.
Outro dia me senti Olavo Bilac. Ele mesmo, aquele apelidado de Príncipe dos Poetas!
Pois bem, aproveitei que a noite era enluarada e me pus à janela, com os olhos atentos às estrelas. O céu estava repleto delas, umas menores, outras maiores, umas mais perto, outras mais longe, com menor e maior brilho... uma profusão! Será que dá pra ouvi-las?... Talvez... se eu me tresloucar, quem sabe, dá pra ouvi-las e entendê-las....
Meus olhos varreram o infinito e, de repente, me dei conta de que havia um propósito dentro de outro propósito: eu contava encontrar, talvez na esquina de alguma Via Láctea, quem sabe reabastecendo sua fonte luminosa, ou reajustando o foco de sua luz... talvez numa brecha sideral qualquer meus olhos ansiosos encontrassem uma estrela especial e inédita, ainda sem o batismo dos astrônomos. E depois de algum tempo de frustrada busca volvi os olhos para dentro de mim mesmo. É, percebi que não basta sentir-se poeta, ainda que tresloucado, nem fincar os cotovelos no peitoril, para perceber estrelas especiais, e muito menos ouvi-las e entendê-las.
Fechei os olhos, respirei fundo, tranquei a janela atrás de mim e caí na realidade, pus os pés no chão: se não sou poeta, se dentro de mim não se assenta nenhuma musa, como posso ouvir e entender estrelas, e estrelas proeminentes? Bilac que me perdoe, mas foi aí que desejei seu talento, sua habilidade de lidar com as palavras. Ah! – pensei – se eu tivesse, como Bilac, o domínio da arte literária; se eu soubesse, como ele, dizer as coisas poeticamente, contar histórias com açúcar e com afeto... Se, a seu exemplo, eu dominasse o jeito de colocar encanto e romantismo na minha prosa, de modo a apertar com minha mão de escritor os pulmões de minhas leitoras para lhes alterar a respiração até deixá-las encantadas, visionárias, quêdas... Se eu tivesse esses dotes, essa artinha, usaria uma tinta especial, tirada do coração, e colocaria no papel meia dúzia de palavras mágicas, meia dúzia que fosse, para deixar tresloucada e frágil, perdidamente apaixonada, a mulher que nas minhas noites de sonhos, enluaradas ou não, faz brilhar, como nenhuma estrela, meu propósito de vida.
Mas eu disse que sou complicado e difuso. Disse também que às vezes sou normal. Melhor apagar esta última afirmativa. Complicado e difuso ficam-me melhor. E é por ser assim que desapareço. E é também por ser assim que reapareço. Mas esta reaparição é apenas uma brecha no meu eterno silêncio, a que agora me proponho; digamos, uma fraqueza de quem sabe que deve calar, tem consciência de que seu envolvimento só abre feridas, sua para-normalidade (existe isso?!) só encurta o espaço entre o presente e o passado que se quer olvidar, mas que carece de mostrar-se um pouco; de ver, embora de soslaio, uma Estrela-Mulher que teima em brilhar no seu céu.
É impossível isolar-se de si mesmo. Por isso, eis-me aqui, mesmo que por breve tempo. Deixo-te por agora, Estrela, e, quem sabe, para sempre. Recomendo-te... não... proíbo-te, isto sim, proíbo-te de dar-me atenção, de dobrares a esquina para ter comigo, para que não caiamos em tentação, e o céu escureça e despenque uma tempestade sobre nós. Fica-te aí com tua nova constelação, teu novo brilho, teu cheiro de flor – e Flor do Lácio -, longe das frustrações que te possam arrancar lágrimas, até mesmo porque estrelas não fazem chover. Concordas que devo sumir?

INSÔNIA

Venho ultimamente sofrendo de insônia. Mas não é uma insônia qualquer, dessas sem um fiozinho sequer de desvario. Diga-se logo de uma vez: Estou com a insônia dos apaixonados!
Você rir?! Pois não devia! Esse desacordar em altas madrugadas ou esse não cair nos braços de Morfeu (Morféia, no meu caso) por noites repetidas deve fazer parte de sua história, seja nos idos tempos, quando a mocidade lhe fazia cócegas de amor, seja nos dias atuais, sei lá, mas esse deve ser um bichinho que já picou você, que já lhe pôs sombras nos olhos.
Então você, digamos assim, é minha testemunha e companheira(o) desses divagares noturnos, assíduos e incorrigíveis, quando a criatura que teima em desarranjar nosso juízo e espantar nosso sono não se apieda de nossos sentimentos e junta, então, nossa mente e nosso coração num só sistema utopista, fazendo de um reflexo do outro: O coração, relicário de sonhos; a mente, configuradora deles. Aquele, sensível depositário da alma apaixonada; esta, divulgadora fiel das coisas do coração. O primeiro, corda; a segunda, caneca.
O que não sei, ainda, é se também com você acontecem os passeios, as viagens com ela, (ou com ele), porque comigo é assim, de ordinário lá vou eu, de mãos dadas com minha amada, rua abaixo, rua acima, nos cinemas, nos restaurantes, nos shoppings, em tudo quanto é canto.
É um viver quase que real, aos abraços e beijinhos amiúde, escolhendo cardápios, refletindo cenas cinematográficas, olhando vitrines, tomando banho de mar, uma foto aqui, outra foto ali, curtindo caminhadas ecológicas, fazendo planos a imediato, médio e longo prazo... Uma loucura! Mas uma loucura doce, singular, aconchegante, desumana talvez, talvez perversa, se vista sob o código de ética dos acima de qualquer suspeita, mas incomensuravelmente benfazeja aos excluídos das paixões reais, aos postos ao desamparo de uma costela confidente, parceira e cúmplice, a popularmente chamada de “alma gêmea”. E aí, as noites ficam compridas demais, os lençóis não param alinhados, o travesseiro, nem sempre bom confidente, às vezes se esgueira cama abaixo, quem sabe para fugir dos repetidos e freqüentes questionamentos a que ele, mísero encosto encefálico, mero apoio craniano, não se sente obrigado a responder.
O fato é que as noites em claro se me repetem e com elas os anelos, as imaginações estapafúrdias, as quimeras desvairadas, os projetos inverossímeis, as interações virtuais - o diabo! É aquele negócio: se o sono não vem, melhor é dar asas à imaginação e danar-se a fazer dos miolos ferramentas do devaneio e construir os castelos mais lindos; dar trela aos impulsos e realizar as viagens mais loucas; dar liberdade ao imaginário e deixá-lo solto neste mundo de ninguém para arquitetar e escrever rápido e com perfeição as mais belas histórias de amor.
Afinal, sonhar, mesmo que acordado, não custa nada e massageia nosso ego. Eu sonho, tu sonhas... Vamos conjugar juntos esse verbo intransitivo? Não deixe que a insônia, essa – imagino – disfunção, aguda ou crônica, do sistema nervoso, desacorde sua vontade de ir à lua, amesquinhe seu desejo de curtir a paixão mais ardente ou lhe confira o bisonho trabalho de contar carneirinhos. Acordado ou dormindo, sonhar é preciso! Desperte o Ser imaginativo que existe em você!

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O QUE DÁ PRA RIR DÁ PRA CHORAR

A favor dos ensaios laboratoriais e dos pareceres médico-científicos que comprovam definitiva e contundentemente meu estado asnil, (eu já ouvira isso de meus pais e de dona Maroquinha, minha saudosa professora, noutros termos, é claro, mas desde pequenininho) e válido mesmo com um “assino embaixo” de próprio punho, venho de público afirmar que sou o Ponto, a Linha, o Laço e o Nó.
Sou o ponto que encerra toda a minha ausência de sabedoria; sou a linha que circunda, que divisa todo esse meu saber estranho e vago; e porque descreve uma trajetória circular e fechada, essa linha toma forma de laço; e, porque todo meu saber estranho e vago se confunde com o ponto que o encerra, esse laço vira nó e – isso é uma coisa de que ainda duvido – esse nó é cego, visto que aperta a obscuridade de meu conhecimento defumado nos ares enfumaçados da mais radical mediocridade humana.
Mas quero dizer, também de público, que sou feliz, porque, afinal, doido por doido, é preferível ser doido completo a ser meio doido, segundo a sabedoria dos poucos que a têm. E se há algum demérito nisso fica por conta do fato de eu ser apenas e tão-somente mais um, perdido nessa multidão de insanos. Em contrapartida, são poucos (e aí incluo os normais) os que se podem e sabem definir como Ponto, Linha, Laço e Nó, assim tão clara e sabiamente explicada cada parte, cada porção desse todo indefinido e vago que sou eu. Entendeu?
E tem mais: Sou um doido inofensivo, manso, tecnicamente aceito na Sociedade, sem registro no Serasa nem no SPC e de punhos virgens de algemas. Porque há uma fartura de doidos por aí, muitos deles engravatados e de óculos, passageiros dos automóveis chapa-branca, fazendo PONTO nos cofres públicos ao arrepio do público que os assalaria; há os que sofrem de uma loucura velada, os que não movem uma LINHA contra a banalização da miséria, e ainda os que, posto que vítimas reincidentes, os aplaudem nos palanques eleitorais e os reelegem.
Também existem os que vivem do LAÇO da sem-vergonhice, explorando sexualmente as desassistidas, vítimas já dos engravatados, e os que são verdadeiros NÓ cego, operários do crime, organizado ou não, terroristas urbanos e suburbanos que nos inquietam a todos e nos deixam loucos de raiva.
Como se vê, tem doido de todos os tipos, pra todos os lados e pra todos os desgostos. Agora, se você acha que estou confundindo loucura com safadeza, o problema é seu. Eu, heim!
E assim caminha a desumanidade... Haja manicômio!

À SOMBRA DO VIADUTO

Não só para os carros servem os viadutos.
Outro dia, ao pôr em prática minha porção atlética, parei à sombra de um viaduto para dar uma trégua ao peito e refazer-me da caminhada, um exercício que me recomendam o médico e a vontade de continuar bem e ainda por um bom tempo nesta dimensão.
A sombra é sempre um bom lugar pra gente reabastecer os pulmões e emprestar pernas ao pensamento - pernas e asas. Servem as asas para nos ocuparem de coisas que estão distantes, das divagações, mas para as coisas que estão ao alcance de nossos olhos as pernas bastam. E este foi o caso.
Dei-me conta de que tinha concorrentes à atmosfera daquele espaço sob o viaduto. Mas percebi, também, que não se tratava de figuras tais e quais eu e aqueles que comigo bem ou minimamente se postam ao sabor das etiquetas sociais. Até esqueci as razões por que parei ali e me pus a fazer uma reflexão sobre o quadro com que me deparei. Tratar-se-ia de pessoas normais, vistos à luz da ciência que nos codifica e esquadrinha? Muitos detalhes diziam que sim, pois tinham cabeça, tronco e membros do jeitinho que eu, respeitadas, é claro, as diferenças com que a Natureza nos distingue uns dos outros. Mas as roupas eram rotas, os pés estavam descalços e os cabelos, desalinhados. Quem eram? Minha curiosidade aguçou-se. Às favas a apuração física! – pensei - e o que passou a me interessar mesmo foi fazer a ficha biológica daquele modelo de ... digamos, por enquanto, modelo de gente. Como eu disse, cabeça, tronco e membros tinham. Deu pra reparar nas “crianças” que esboçavam feições bonitas, uma observação que fiz com meus olhos de reserva. Nossos olhos de reserva são aqueles que tomam emprestados sabão e pente, roupas e sapatos, amor e carinho, respeito e dignidade, e metamorfoseiam as figuras observadas, colocam-nas noutra dimensão, fazem-nas cidadãs. E aí fiquei pensando, não com meus botões, pois estava de calção e camiseta, mas com as asas atrevidas de meu imaginário: Considerando a possibilidade de serem aquelas crianças unidades de nossa raça e Pátria, feitas à nossa imagem e semelhança, contadas no último senso, por que estavam aqui? Sim, porque isto é um viaduto, uma obra da engenharia para resolver a questão do trânsito, uma armação de concreto feita para ligar um ponto a outro, mas estes “seres” me parecem que o tomavam por casa, residência, lar... como morada, vá. Mas, se este é mesmo o caso, cadê as camas, a geladeira, o fogão, estes elementos básicos de nossos espaços domésticos? Cadê o fogão para cozer os alimentos, a geladeira para conservar os perecíveis, as camas para dormir e... e aí questionei: como teriam sido feitos estes pequeninos? O engenho deve ter sido o mesmo, a arte, quase... mas, e o cenário? No escurinho do cinema, duvido! Outra coisa: as demais necessidades fisiológicas, onde têm sido satisfeitas, elas que são comuns, imprescindíveis, inadiáveis e privativas? Das duas uma: Ou estes seres não são gente como a gente, ou são exageradamente esquisitos. Se, ao nosso modo, não moram, não amam, não se alimentam nem se cuidam, com certeza também não se educam, não têm assistência médica, não sonham, etc. Ah!, trabalho também não devem ter.Talvez não tenham nem mesmo esperança.
Mas será que esse viver estranho, miserável, desumano, perverso, é por opção, porque querem ser diferentes, por desvio de caráter, por “parafusos frouxos”, ou é resultado da má distribuição de renda que põe muitos sob a linha da pobreza, aqui chamada viaduto, e a uns poucos deita no berço esplêndido que a política do “farinha pouca, meu pirão primeiro” beija e balança? Ou... bem, agora me lembro que é hora de voltar pra casa, pois o peito já tenho refeito e não seria inteligente de minha parte desmassagear meu ego com essas coisinhas miúdas do cotidiano. “... Dos filhos deste solo és Mãe Gentil...” Que hino lindo!

PITADAS DE SABER

PITADAS DE SABER
Caso eu lhe perguntasse, meu amigo e minha amiga que me lê neste instante, para que serve uma baforada fedida de charuto, você iria me responder, do alto de sua sabedoria, que não serve pra nada, talvez unicamente para poluir o ar; ou, na melhor das hipóteses, para espantar mosquitos. Mas, veja comigo o seguinte: Em 1881, em Málaga, na Espanha, nascia Pablo Picasso. O recém-nascido não chorou nem parecia respirar. Seu tio, reconhecidamente inquieto e fumador de charutos, quando soube da situação entrou na sala de partos e tascou uma forte baforada nas ventas do sobrinho, a criança deu um grito seguido de choro, e sobreviveu.
Seus primeiros anos de escola foram de intranquilidade para os pais. O menino não conseguia aprender leitura nem escrita. Fazer contas, então, era um Deus nos acuda, até que seu professor teve a ideia de relacionar números com figuras: O 2 era um pombo, o 4, um homenzinho narigudo, o 9, um ratinho fugindo, e assim por diante. Foi a salvação!
Aos oito anos, pintou seu primeiro quadro, um homem montado a cavalo. Seu pai adorava, além do filho, três coisas: pombos, touros e pintura. Já tendo se mudado para La Coruña, saídos de Málaga e de Barcelona, quando viu a obra do filho, então com quinze anos, passou-lhe seu pincel e sua paleta, nunca mais pintou, e morreu em 1913, com 72 anos.
O nome completo de Pablo Picasso, Pablo Diego José Francisco de Paula Juan Nepomuceno Maria de los Remedios Cipriano de la Santíssima Trindade Ruiz y Picasso, era quase tão grande quanto seu talento, uma mistura dos nomes da parentela recheada com o Maria de los Remedios. O sobrenome Picasso veio da mãe, que morreu em 1939 aos 83 anos.
O filho de José Ruiz Blasco e de Maria Picasso Lopez casou-se várias vezes, cinco ao todo, e o primeiro de seus quatro filhos (dois casais), meu chará, nasceu em 1921. Paloma, sua caçula, nasceu em 1949. Sua irmã mais velha morreu de dificteria, e foi justamente do médico que a assistiu, muito amigo de seu pai, que Picasso pintou seu primeiro retrato.
Estive pensando, cá com meus botões: E se à época do nascimento de Picasso também em Málaga existisse a Lei anti-fumo, com as mesmas implicações que hoje subsiste em São Paulo (com a qual concordo incondicionalmente)? Seu tio, embora proativo, nada poderia ter feito, não teria acendido seu charuto e baforado o sobrinho nascituro. O mundo não teria conhecido, possível e lamentavelmente, um dos maiores gênios das artes plásticas. Ou seja, nada é tão ruim que não sirva para alguma coisa.
Minhas expectativas são de que estas informações dilatem o conhecimento de muitos e ratifiquem os de outros tantos. De pitada em pitada, sobe-se os degraus da escada do saber, não é verdade? Mesmo porque, se falar mal dos políticos, como se tem feito pelos séculos dos séculos sem fim amém, não adianta nada, o melhor é cuidar de outras coisas.