quinta-feira, 11 de novembro de 2010

CONFISSÃO

“Tem bom ânimo! Entrega-te à reflexão e busca um caminho alternativo!”
Foi apenas o que mal pude falar para aquele moço que me confessou estar espiritualmente perdido, sumariamente à deriva da salvação.
E me explicou por quê: Não consegue desonerar-se de seus pecados pela via das rezas, das ladainhas, dos terços monitorados pelas bolinhas do rosário, pois viu nas Escrituras uma recomendação contra o hábito repetitivo da fala com o Pai. De si mesmo sente que essa não é uma prática redentora, um caminho afinado com a grandeza e onipotência do Criador. Nada a ver! Também porque, e ainda pela meditação que fez nas sagradas letras, não consegue entender Maria como mediadora, posto que santa, reverenciada, na contra-mão do evangelho, como substituta, para fins peticionais, do Filho, ali declarado como único mediador. Nem, tão pouco, consegue aceitar os santos eleitos, a peso de ouro, pelo Vaticano como necessários coadjuvantes à realização de milagres, por entender que Deus pode todas as coisas e por ter lido no Pentateuco que até suas respectivas imagens são contravenção bíblica. Sente-se, portanto, excomungado pela teologia católico-romana.
Por outro lado, não tinha a capacidade de fechar os olhos e discorrer de improviso e em público, e de forma absolutamente pessoal, sobre as coisas que gostaria de colocar para o Senhor dos Exércitos. Também viu no Livro dos livros que esse confessar ou meditar, esse pedir ou agradecer deveria ser feito em seu quarto de dormir, e de portas fechadas. A corrida pela prosperidade, carro-chefe de certas denominações pseudo-evangélicas, alicerçada nas Seções de Descarrego e nas “amarrações do inimigo”, ditas e feitas sob uma perspectiva em nada semelhante ao “vinde a mim todos vós, que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei”, mas pomposa e reiteradamente televisadas, igualmente não lhe eram sequer razoáveis. Então a teologia evangélico-protestante, embora, vieses à parte, muito mais ajustada à Bíblia, que lhe serve de regra de fé e prática, também o alija das práticas redentoras, cria-lhe um “espinho na carne”, nega-lhe a comunhão com os eleitos.
Das outras formas de religiosidade nem me quis falar muito, o desolado moço, porque nem as aceitava como religião, e apenas comentou que a Reencarnação, máxima deste que é reconhecido por muitos como ciência, o Espiritismo, sugere um confronto, um bater de frente com a afirmação apostólica que diz “está determinado ao homem morrer uma vez só”. Por tudo isso, confessou-me, estava sem rumo e sem luz, sem nenhuma perspectiva de habitar numa das muitas moradas construídas nos ceus, fora da fila para registrar seu nome no Livro da Vida, condenado a jamais caminhar em ruas de ouro, etc. Sua vida não tinha sentido e não tinha esperança, seu espírito definhava, destituía-se como janela de comunicação com Deus, que lhe negava a fé, e sua alma, instrumento de contato com o mundo em sua volta, obscurecia-se, amesquinhava-se, fazia dele um excluído da graça, um transeunte dos caminhos largos, um surdo às batidas na porta, uma mesa sem ceia, um homem sem comunhão com quem foi à cruz para resgatá-lo e fazê-lo novidade de vida.
Depois de me dizer todas estas coisas, e de me ouvir aquilo que lhe deve ter soado como uma bobagem, tirou de mim os olhos sem brilho e saiu, cabisbaixo, casmurro, chutando latas...

UMA MULHER OLHANDO DA JANELA

Chegue-se ao peitoril e veja esse Sol lindo!
Perceba seu brilho, sua luz que me energiza,
me faz mais Mulher e se compatibiliza
com todos os anelos que venho construindo.

Ponha-se mais próximo. Fique aqui, bem perto.
Quero que compartilhe desse meu momento,
que contemple daqui e comigo o Firmamento,
que comece o dia como eu - de sorriso aberto.

Todas as manhãs, com singular disciplina,
volto e busco esse Horizonte, que me fascina,
para não perder este show da Natureza.

Você, querido amigo, é meu convidado;
Aposse-se deste Sol, comigo ao seu lado;
desfrute, comigo, de toda essa beleza.

UM AMOR ESTRANHO

“Amo este pássaro” – confessou aquele moço,
Que o sustinha numa gaiola nova, bonita,
Na qual a ave pula, bate as asas, se agita,
E se percebe com um laço no pescoço.

Porém canta, e seu canto mascara o alvoroço,
Sua batalha inglória, vã, sua expectativa
De retornar, urgente, à flora nativa,
Ao seu habitat posto além “daquele troço”.

Mas seu amo já não vive sem o canto altivo,
Sem a trilha sonora desse ser cativo;
Seu imaginário voa nos silvos de sua presa.

E lhe dá alpiste, água, lhe dá carinho,
Conquanto que engaiolado e seu, sem ceu, sem ninho...
O moço “ama” a ave, mas castra-lhe a natureza.