sexta-feira, 18 de março de 2011

CARTA ÀS MULHERES

Mulheres de todos os lugares, de todos os credos, de todas as raças, de todos os níveis sociais, negras e brancas, morenas e loiras, mulheres todas, lede-me: Eu vos escrevo com tinta extraída do coração, de onde também colhi a inspiração e as palavras de que minha pena está cheia.
Porque, embora a primeira de vós tenha sido feita de uma costela do primeiro homem, e com o fim de lhe ser adjunta, companheira, cooperadora, foram de tal sorte sublimadas as funções que viestes exercer neste planeta, e com tal competência vos desincumbis delas, que quem era primeiro recua e quase já assume o segundo plano na estrutura social vigente, e hoje vos é adjunto, companheiro, cooperador.
Se no passado o foco era o varão, no presente as esperanças se voltam para a varoa; para vós, mulheres, convergem todos os sonhos de um mundo fraterno, creditam-se a vós os derradeiros instrumentos para redesenharem-se os ditames sociais, então mais equitativos e abrangentes.
E este meu credo em vós se fundamenta na análise que tenho feito de vosso desempenho nas diferentes tarefas que abraçais. Nenhum homem tem a vossa paciência e brandura, o vosso carisma e entusiasmo, a vossa prudência e abnegação, e a todos suplantais em honestidade e sabedoria. As Universidades vivem repletas de vós, - e isto quer dizer COMPETÊNCIA.
As organizações, grandes e pequenas, públicas e privadas, entre elas as gloriosas Forças Armadas, reclamam vossas mãos trabalhadoras e milhares delas disponibilizam seus comandos ao vosso jeito e capacidade de gerir negócios e pessoas, - e isto quer dizer MATURIDADE.
Vais, não digo paulatinamente, mas a passos largos, trocando de posição, assumindo o inédito, vencendo obstáculos, destruindo barreiras, e tudo isto sem abrirdes mão do charme, da meiguice, da doçura, do encantamento, do altruísmo.
Do charme e da meiguice, porque os homens sucumbiriam sem eles; da doçura e do encantamento, porque por eles as relações humanas se esmeram; do altruísmo, porque sem isso os dissabores, sobretudo dos mais carentes, seriam insuportáveis.
No princípio fostes apenas Mulher, depois, Mãe, em seguida passastes para além das fronteiras domésticas, a bandeiras despregadas tendes ampliado vossos campos de ação e, hoje, sois contadas entre os que estão na cúpula dos que regulam os desígnios dos povos.
Se antes lutáveis pela própria emancipação, hoje é a emancipação dos humildes que espera em vós. Se tem sido através de vosso ventre que todos existimos, é na expectativa de vosso domínio cada vez mais dilatado que fundamentamos nossos anelos de um Mundo Ideal.
Mulheres do Brasil, por favor, salvai-nos!

Uma homenagem às Mulheres:


BERÇO DE CIPÓ

Disseram-me que nasci pelas mãos de uma comadre, uma parteira da roça, e que pela penúltima vez minha mãe cumpriu quarentena, regada a caldo de galinha. Cheguei junto com a Segunda Guerra Mundial, cinqüenta anos depois da Proclamação da República, trinta anos antes de o homem pisar na Lua, sob o governo populista de um gaúcho que optou por sair da vida para entrar na História, e menos de três meses depois que morreu Sigmund Freud, o Pai da Psicanálise. Ah!, me parece que também no mesmo ano passou a existir a figura do Gandula, o catador de bolas nos jogos de futebol.
O evento se deu na ”casa de cima”, uma das duas casas da família, na franja da Mata Atlântica nordestina, no aconchego de um sítio, passados dois meses da morte de Padrinho Miguel, meu bisavô, que morava na “casa de baixo”, e dez anos depois da única missa celebrada ali. Que não me chamem “filho da...”, para que se não faça injustiça à dona Otília, uma mulher de muita vergonha na cara, mas “bisneto da...” faz sentido, e não me levaria à ira, visto que a mãe de meu pai teria sido fruto de uma produção independente, gerada à sombra de alguma sucupira ou à beira de algum regato.
Não tenho conhecimento da hora em que botei a cara no mundo, se de madrugada ou à luz do dia, mas importa que cheguei de forma natural e simples, com um corpo, uma alma, um espírito e um destino. O corpo é normal e tem hoje a altura do homem brasileiro; a alma é frágil, depaupera-se fácil ante as dores alheias; o espírito... deixa pra lá! E sobre meu destino, o que se poderia dizer? Qual a perspectiva e que interesse poderia despertar o amanhã de quem nasceu em berço de cipó, quando o natural e freqüente é indagar-se sobre a história daqueles nascidos em berço de ouro? Que frutos poderia dar um diabo de menino feito e parido no meio do mato, embalado ao som medonho das muriçocas, nutrido à base de papa de goma de mandioca e metido em fraldas de pano de chita? Poder-se-ia olhar para dentro daquele berço, fazer conjecturas e, à meia voz, ou em tênue sussurro, perguntar-se: “Será que vai dar pra gente?” O que se via ali era tão-somente uma miniatura de romântico, uma amostra de gente para quem estavam reservados muitos acontecimentos de extrema carga emocional; uma criança que, se não tinha algo de notório a que puxar dos pais, herdou a emotividade da mãe, chorona irrecuperável e altruísta por vocação, e o gosto do pai pela leitura, um matuto autodidata que não conseguia dormir sem ler qualquer coisa, um pedaço de jornal velho que fosse. E estas duas heranças misturo, fundo, mesclo, meio sem jeito, meio sem criatividade, ora apoiado na dor, ora ao sabor de simples abstração, somando transpiração e inspiração na razão direta da vontade para o talento, ou do infinito para o ponto. Desta mistura, enfim, me tem saído pela pena afora, ao arrepio da gramática e do estilo, um pouco de prosa e de poesia, a que uns têm torcido o nariz, e outros, estes mais dóceis e menos exigentes, me fazem o favor de ler e premiar com uma crítica amena que me deixa envaidecido.
Assim como do mesmo pau de que se faz a imagem, objeto de adoração, se faz, entre outras coisas, o fogo para cozer os alimentos, conforme assevera a Bíblia, também com o mesmo cipó de que se faz o berço dos simples constrói-se o cesto onde se deitam frutos de variada qualidade. Com relação àquele construído com o cipó de meu berço, e se nos valermos da imaginação para figuradamente estabelecer uma hipótese, sem cogitarmos de sua demonstração, poderíamos dizer, eu e os que me conhecem mais de perto, que se deitou nele, naquele cesto pueril, um fruto nem muito azedo nem muito doce, talvez temporão, talvez geneticamente modificado. Temporão, porque sou quase raspa de tacho; transgênico, porque as “sementes” plantadas ali, se remanescentes do mesmo “empório” e inoculadas tais e quais, via de regra produziriam canavieiros ou cultivadores de banana. Como não planto cana nem bananeira, mas apenas conservo, além da saudade do cheiro de mato e dos banhos de açude, o gosto pela bananada e pela rapadura... não seria demais supor que certo elemento biogenético, passageiro de alguma corrente de ar soprado pela brecha da janela adentro no instante sublime da “fusão”, acelerou ou retardou o processo de minha concepção e.... deu no que deu!